segunda-feira, 30 de junho de 2014

#13 The Normal Heart

 Título oficial: The Normal Heart @ 2014
Realizador: Ryan Murphy
Actores principais: Mark Ruffalo, Taylor Kitsch, Matt Bomer, Julia Roberts
Classificação IMDb: 8,3
Minha classificação: 9,0

Apesar de não ter andado com grande apetite para filmes, vi uma frase deste filme que me deu vontade de ir descobrir o trailer. “Man do not naturally not love. They learn not to”. Depois do Dallas Buyers Club, que adorei, surge um filme em torno do mesmo tema. Porém, aqui temos a perspectiva da comunidade nova-iorquino gay. Pessoas com acesso a altos cargos, papéis na imprensa e na saúde, que a partir de 1981 parecem começar a morrer de uma epidemia desconhecida. Um novo tipo de cancro, suspeita-se. Um cancro que apenas ataca os homossexuais. Os pacientes são submetidos a quimioterapia e tratamentos experimentais mal financiados, apenas para morrerem desse mal desconhecido. Suspeitam de uma conspiração do governo para acabar com os homossexuais. O histerismo social eleva-se; é punição pelo pecado da promiscuidade.

Neste contexto, temos o jornalista/escritor Ned Weeks (Mark Ruffalo), judeu, a conhecer o amor pela primeira vez. Foi um homossexual reprimido e, apesar da boa relação com o irmão, nem este parece considera-lo um igual. Como inconformista que é, Ned alia-se a uma médica igualmente inconformada (Julia Roberts) que está desesperada por financiamento para pesquisas e que vê os seus pacientes a morrerem sistematicamente sem que o governo atribua a devida importância ao assunto.
De mencionar que apenas em 1986 o Presidente Reagan finalmente menciona a doença perante o país, permitindo que saia do estigma das minorias sociais.
O filme demonstra, sobretudo, o esforço levado a cabo e a união da comunidade gay, que se vê vítima de ainda mais discriminação perante o desconhecido.
O filme tem uma realização e um argumento muito realistas, muito terra-a-terra. Nada de dramatismo exagerado, por vezes o conformismo com que se aceita o inevitável é mais tocante que uma cena de lágrimas e gritos. É uma obra de grande sensibilidade, que mostra o amor homossexual com mestria, de um modo que toca o coração e que não ridiculariza as diferenças nem cai em estereótipos. O filme está tão bem conseguido que, não fossem as repetidas menções aos direitos das minorias, ao facto de os gays serem igualmente cidadãos americanos, não teria atribuído qualquer importância à orientação sexual do casal principal. Ruffalo e Bomer trabalhavam com eficiência nas suas personagens – a actuação do primeiro é assombrosa, e o segundo completa-o. A química entre os dois é de louvar.
Mas o que fica no final do filme é o sabor a amargo na boca. A dúvida se uns são mais cidadãos do que outros, se há, ainda agora, um modo correcto e um modo errado de viver, se merecemos todos o mesmo tipo de respeito e protecção por parte do Estado. Se o Estado, basicamente, nos leva a todos a sério.
Ned Weeks compara a situação que atravessam ao passado recente do seu povo; todo o mundo suspeitava do que estava a suceder aos judeus e, ainda assim, ninguém fez nada. Todos lavaram daí as mãos até que o assunto “Hitler” lhes tocou também. Acrescenta que um dos grandes responsáveis pelo final da II Guerra Mundial (Green Beret) foi um homossexual que acabou por se suicidar mais tarde devido à sua orientação sexual.
É um filme sobre aceitar-se a si próprio, aceitar os outros como iguais, lutar pelos nossos direitos e abraçar causas, ainda que pareçam não nos tocar directamente. É também um trabalho sobre frustração e esforço caído no vazio, porque nem sempre as coisas recebem a importância que merecem nem na altura devida.
Até ao final de 1986 houve 24 559 mortes relatadas” devido ao HIV. Só aí Ronald Reagan finalmente se pronunciou acerca dessa epidemia. Desde aquilo que se pensa ter sido o surgimento da doença, em 1981, morreram, até hoje e em estimativa, cerca de 36 milhões de pessoas com SIDA. Isto equivale a cerca de seis vezes o holocausto.
Alerta também para que não devemos eludir-nos: o vírus não está extinto, a cura não foi encontrada, e lá porque há controlo e mesmo um certo abafo da circunstância, ninguém está livre de vê-lo bater-lhe à porta.

Comovi-me e chorei com o filme. Compadeci-me da causa. Aprendi dados que considero importantes para melhor compreender a sociedade actual e o mundo em geral. É tudo o que peço da sétima arte.

«It’s because you are too good to be true, because I’ve been waiting for a lover like you for my whole life and you haven’t showed up until now, and I am scared as shit that I might do something to fuck it up. Am I crazy?»

segunda-feira, 16 de junho de 2014

#112 ZUSAK, Markus, A Rapariga que Roubava Livros


Sinopse: Molching, um pequeno subúrbio de Munique, durante a Segunda Guerra Mundial. Na Rua Himmel as pessoas vivem sob o peso da suástica e dos bombardeamentos cada vez mais frequentes, mas não deixaram de sonhar. A Morte é a narradora omnipresente e omnisciente e através do seu olhar intemporal, é-nos contada a história da pequena Liesel e dos seus pais adoptivos, Hans, o pintor acordeonista, e Rosa, a mulher com cara de cartão amarrotado, do pequeno Rudy, assim como de outros moradores da Rua Himmel, e também a história da existência ainda mais precária de Max, o pugilista judeu, que um dia veio esconder-se na cave da família Hubermann. Um livro sobre uma época em que as palavras eram desmedidamente importantes no seu poder de destruir ou de salvar. Um livro luminoso e leve como um poema, que se lê com deslumbramento e emoção.

Opinião: A Rapariga que Roubava Livros é uma história inesquecível. Cada personagem é mais memorável do que a outra, mas o ponto mais precioso de todos, onde o autor prima, é nas relações interpessoais.

A Morte é a narradora, o que causa arrepios ocasionais ao leitor, mas também nos transmite uma sensação de pequenez que vem a calhar em certas épocas da história. Quando nos consideramos maiores e super-poderosos, vem a morte dizer que nos observa de cima. Que nos acolhe no último momento, sem se impressionar com os homens e com as suas vilezas.

A Morte, que em 1943 diz ter estado em toda a parte, graças ao Fürer, narra-nos aqui a história de Liesel Meminger e das vezes em que as duas se cruzaram. A pequena órfã da rua Himmel (Céu), nos subúrbios de Munique, fora acolhida pelo acordeonista Hans Hubberman e a sua mulher com a estrutura de um roupeiro, Rosa Hubberman.

Tantas vezes lemos sobre a II Guerra Mundial, sempre da perspectiva dos aliados, das vítimas arrastadas para um conflito acicatado pela ambição doentia de Hitler, ou da perspectiva dos judeus estilhaçados pela sua loucura. Aqui temos um romance que nos mostra os alemães perante o Fürer, pálidos, trémulos, receosos, de boca amordaçada e membros agrilhoados. Nada de se rebelarem, nada de terem pena, nada de se permitirem ser humanos, nada de desobedecer. Liesel não entende bem o que se passa, só sabe que há fogueiras de livros proibidos, fome, pessoas a serem arrebatadas aos seus lares e aprisionadas na farda da Alemanha nazi. Fanáticos – também os há -, que só atendem os clientes se estes erguerem a mão e bramirem Heil Hitler.

Esta é uma história de corações humanos que são obrigados a silenciarem-se pela loucura geral. É uma visão única da guerra, pela perspectiva alemã, que nos mostra relances de caridade e gentileza. Cada interveniente na vida de Liesel é enternecedor, pessoas vibrantes e cheias de personalidade; o papá, de cigarro ao canto dos lábios e olhos cor de prata, a mamã a chamar nomes a toda a gente – especialmente aos que ama – o seu amigo Rudy, de cabelos cor de limão, a pedir-lhe um beijo. Max e os seus desenhos, a sua saudade e a sua angústia face à família judaica que lhe foi arrebatada. As noites no abrigo antiaéreo e uma menção ao dia de Julho em que a Operação Gomorrah arrasou 45 mil vidas em Hamburgo, onde eu própria estive. Tanta dor, tanta perda... e tão real. Eu diria até, tão recente. E a Morte, como testemunha-mor, a expor os eventos de forma inesquecível, arrebatadora, única. Um livro sem igual, que quebrou o meu jejum literário de 2014. Vejam também o filme, o casting é perfeito.

Classificação: 5*****