quinta-feira, 13 de março de 2014

#110 KLEYPAS, Lisa, Paixão Ardente

Opinião: [Ai, os nomes destes livros, Cristo!] Já tinha lido o livro em inglês e tinha a ideia de que era um pouco “sem sal”, sobretudo no rescaldo do “Devil in Winter” (recuso-me a chamar-lhe a mixórdia que lhe chamaram em português), que é o meu favorito da série.
Este livro encerra a série “Wallflowers”, dando protagonismo à última das encalhadas, Daisy Bowman.
Debruçando-me sobre um quarto livro, seria de esperar que fosse o menos imaginativo, mas é o mais romântico de todos, também porque a Daisy é a mais sensível e sonhadora, e por isso marca pontos para quem está nesse estado de espírito.
A Daisy é uma criaturinha diferente, pouco dada a questões práticas, e nisso identifico-me com ela. Só um homem com uma certa sensibilidade poderia entendê-la, e por isso Matthew Swift é o homem perfeito para ela. Com um passado um tanto obscuro, sempre lhe teve uma afeição bem disfarçada que só agora conhece a luz. É um livro sobre duas pessoas destinadas a estarem juntas, e gostei do conflito inicial gerado pela insistência do pai de Daisy em casá-la com Matthew, e também da forma como a protagonista é fiel ao seu coração e não tenta contrariar os seus sentimentos. No caso de Matthew, embora receie que o passado regresse para o assombrar, decide arriscar e tentar ser feliz. Um lutador e uma jovem de alma pura, a encerrarem com chave de ouro esta série.
Romântico, bem-disposto, foi uma leitura que conseguiu arrancar-me emoções, área em que a Kleypas nunca falha. 

Sinopse: Depois de três temporadas em Londres em busca de pretendente, o pai de Daisy Bowman informa-a de que deverá arranjar marido. E depressa. E se Daisy não conseguir desencantar um candidato adequado, terá de se casar com um homem da escolha do pai: o cruel e emproado Matthew Swift. Daisy está aterrorizada, mas uma Bowman jamais admite a derrota. E, por isso, a jovem decide fazer os possíveis para arranjar outro pretendente que não Matthew. Mas Daisy não contava com o charme inesperado de Swift… nem com a sensualidade escaldante que depressa brota entre ambos, acabando por descobrir que, apesar de segredos e intrigas que o destino teima em impor, o homem que sempre odiou poderá ser aquele com que sempre sonhou.

Classificação: 4****/*

sexta-feira, 7 de março de 2014

#12 La Grande Bellezza | A Grande Decadência

 Título oficial: La Grande Bellezza @ 2013
Realizador: Paolo Sorrentino
Actores principais: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli
Classificação IMDb: 7,8
Minha classificação: 9,0
Prémiações: Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro


A Grande Beleza é um filme arrojado, desconcertante, que nos obriga a olhar para nós próprios e para a nossa posição face à sociedade. É também uma análise dura a essa mesma sociedade, num tom ora indulgente ora acusatório. Sendo Gep Gambardella (Toni Servillo) o espectador, somos simultaneamente a sua consciência e o seu juiz. Isto porque Gep tem visão, tem consciência, tem uma voz que vai narrando a sua percepção do que o rodeia ao longo do filme.
Se mesmo Flaubert falhou ao escrever um livro sobre o nada…” Sendo esta, sem dúvida, a frase mais significativa do filme. Gep está rodeado de um nada absoluto – um nada de espírito e de beleza que o impede de criar um novo livro.
Gep, jornalista, escreveu um livro “O Aparelho Humano” há quarenta anos, o que lhe valeu um lugar na sociedade entre uma classe alta em decadência e uma nobreza falida. Desde então é um frequentador de festas, um amante de álcool, um praticante de sexo casual. As pessoas circulam pela sua vida sem deixar marca, tudo numa superficialidade que, por vezes, roça a hostilidade. Ninguém está limpo e todos conhecem os podres uns dos outros. Pessoas que teriam tudo para ser felizes – dinheiro, estatuto -, mas a quem falta nobreza de alma e força de espírito. Ainda assim, os diálogos são ilustrativos da falência dos valores e, em geral, cativantes e espirituosos. Cada linha do guião é algo de maior, susceptível a interpretação.


Gep está perdido, tem estado perdido há quarenta anos. Um assumido misantropo que pertence à classe que tanto o repugna. Não há nada de sagrado na sua vida excepto, talvez, o grande amor que perdeu na juventude. Ele próprio tem noção da mediocridade da sua “obra”, da nulidade da sua pessoa como escritor e jornalista. Nunca se sabe porque Elisa o deixou; a vida é mesmo assim, um grande e incómodo ponto de interrogação. Mas consta que o amou a vida inteira, e essa descoberta causa incredibilidade e lança-o numa reflexão pessoal. Caminha então, só e nostálgico, pelas ruas da Cidade Eterna. Terá Elisa amado o homem que se deita quando os outros se levantam? Ou terá amado a camada interior dele, a que encarcerou ao lançar-se numa vida de excessos na capital?


Roma surge fotogénica, melancólica, também ela as ruínas graciosas de um Império caído. No interior dos seus palácios arruinados consomem-se drogas, engatam-se pessoas cujos sonhos foram destruídos ou se projectam prenhes de frivolidade, dão-se festas, convive-se com anões, esquizofrénicos, adúlteros, viciados na noite, toxicodependentes, strippers, noviças, até surge uma “Santa” mais para o final da trama. Um apontamento comovente, por entre tanta loucura, o momento de nos reencontrarmos com a firmeza das crenças e da vontade de se fazer a diferença e de se honrar a obra que é o mundo. É a peça-chave do filme; alguém que vive de convicções por entre pessoas que são nada e que se arrastam vazias, sobre os tacões, de divertimento em divertimento.
Um filme de grande beleza que lida com o feio, com o absurdo. Uma voz que tem consciência do ar que respira e que, ainda assim, escolhe cirandar por esse meio, julgando-se, quem sabe, superior. Um homem que não tem nada; nem filhos, nem um grande amor, nem amigos sinceros, nem inspiração para retomar o sucesso literário, nem tempo. Dando-se conta do que perdeu, do que lhe escorreu por entre os dedos, Gep continua a sorrir, continua a ser quem sabe ser; dança e bebe no seu palazzo com vista para o Coliseu.
O absurdo da sociedade moderna, assim exposto, causa um certo incómodo. Um homem que vê, que sente – ele próprio garante ter escolhido o caminho da sensibilidade – e que nunca praticou a sua própria escolha, é decerto um homem desencontrado do seu destino.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Pássaros Feridos I

Eu já esperava bastante deste livro, mas tem sido uma surpresa avassaladora. A Colleen McCullough entrou para o meu mapa de estrelas literárias e já tenho as ideias fixas em O Toque de Midas. Vejamos se consigo chegar-lhe.
Pássaros Feridos tem mais de 600 páginas e é contemplado com um título que lhe assenta como uma luva. Todas as personagens tem a graciosidade de um tentilhão e carrega um peso bem maior. Alguns segredos já foram sendo revelados, e outros estão ainda por vir.
Não querendo fazer um resumo do livro, porque isto de partilhar opiniões não é um encarnar de “Os Apontamentos do Senhor Américo”, vou destacar algumas das maravilhas contidas no livro.
A Austrália, como personagem maior. Por fim entendo o que significa a expressão “os australianos estão demasiado ocupados em evitar que a natureza os mate para…”. Um calor abrasador (que ascende a 48º no inverno - sim, é hemisfério sul) e uma época de secas em que o frio é tão intenso que custa lavarem-se, despirem-se, deitarem-se numa cama de lençóis perceptivelmente molhados. As cobras, as aranhas, os javalis, as emas, tantas outras exoticidades que transformam a paisagem australiana, descrita no livro, num paraíso de actividade. As cheias, as secas, a difícil adaptação ao clima e às distâncias impossivelmente longas.
As personagens são outro tesouro do livro. A Maggie é fácil de ler, embora também tenha um carácter vincado, mas são sobretudo o seu irmão Frank, a tia Mary Carson e o Ralph (o padre por quem é apaixonada) que me cativam a cada virar de página.
Um livro que espelha bem o peso das obrigações, da vergonha, das escolhas. Rebate as invejas, as vaidades, a fé e a descrença com uma mão tão hábil que é certo que esta será uma daquelas obras que perdurarão comigo para sempre.