domingo, 7 de julho de 2013

#91 TOLSTOI, LEO, A Sonata de Kreutzer

Um livrinho tão pequeno e com tanta intensidade! Foi a minha estreia com Tolstoi e maravilhou-me. É daqueles livros em que, de termos experienciado apenas a amargura de um lado da moeda, nunca saberemos o que sucedeu de resto. Este é um livro sobre um ciumento doentio, inseguro, cronicamente insatisfeito? Ou sobre um homem honesto que, na tentativa de se tornar num modelo de moralidade, casa como de si é esperado e é vítima duma vil traição? Haverá, de facto, traição?
O livro começa com uma viagem de comboio onde desconhecidos partilham a mesma carruagem. São russos numa Rússia do último quartel do século XIX. Pessoas que procuram acompanhar o progresso tecnológico, intelectual e, sobretudo, social da Europa, tantas vezes evocada como termo de comparação. Em seguida a história esvoaça para um caso que sucedeu há pouco: um marido que matou friamente a sua mulher, por suspeita de traição. Um dos passageiros é esse marido assassino, que se dispõe a contar ao nosso narrador o que aconteceu para o levar a esse extremo.
Portanto viajamos com um assassino, um homem perturbado, um fumador compulsivo que se esforça por beber chá e que nos introduz ao esperado do jovem russo; que visite prostíbulos, que conheça mulheres, que se proteja toscamente da sífilis e que, depois de “adquirir experiência”, escolha para si a mais inocente das jovens russas para casar. A ironia, o tom de crítica de Tolstoi e os seus ideais transparecem nesta tão pequena obra. Um homem sujo que apenas se acha digno da mais pura das mulheres. O pai honesto que folga em causar a filha donzela com o porco promíscuo mais rico disponível. O casamento sem amor, infeliz, fonte de desacatos, ódios, conflitos constantes.
Tolstoi parece culpar a sociedade por todos os erros cometidos na existência deste homem perturbado. Primeiro empurraram-no para as mulheres, por ser o esperado de si. Depois empurram-no para um casamento com uma jovem casta de boas famílias, para que ele a conspurque. Depois são incapazes de tolerar-se mutuamente, mas uma separação é praticamente impensável. Tudo isto é estranhamente contemporâneo – não a obrigação de a moça se casar, mas a efectividade de todas estas “imundícies” que causam dissabores e infelicidade parecem-me ainda presentes na nossa sociedade.
Acaba abruptamente, deixando-me um tanto ou quanto desconcertada. Dividida, confusa. Virei a página e, de súbito, com o chegar de um comboio a uma estação, há um adeus e o drama pessoal/conjugal encerra-se.
O autor é humano, contemplativo, reflexivo, provocador, capaz de analisar eventos como algo de maior, crítico e sarcástico. Um génio não apenas da literatura, mas também do coração humano.

Classificação: 5*****

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