quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Carta ao Escritor, ao Leitor; o Funeral; os Escritos e o "Crítico"




Caros leitores e caros colegas escritores - caro crítico,

É mais escritor aquele que escreve do que aquele que publica? Não estou certa disso. Sempre me senti um pouco escritora. Cá na rua cantei bastante em criança, e daí me chamavam “a cantora”. Depois a minha avó denunciou os meus hábitos nocturnos de escrita, e vai daí chamavam-me “a escritora”. Fiquei-me por aqui, creio.
Hoje terminei a revisão de 430 páginas d’O Funeral da Nossa Mãe. É um trabalho que não voltarei a ter na vida respeitante a esta obra e, em respeito à Célia de 2022, mais do que um suspiro pelo trabalho exaustivo terminado, ergo um copo a este momento. Se é algo em grande? Nem por isso. Nem tão pouco em casa o comunicarei, até porque ninguém compreenderia e ninguém daria valor. É simples; escrever é-me tão natural que há pouco de extraordinário nisso. É mais comum que eu escreva do que veja novelas, ou que escreva do que vá à praia. É, até, um hábito aborrecido e por vezes inconveniente, porque se mete no caminho quando os outros reclamam a minha atenção ou, somente, a minha presença na Terra.
Em relação a esta revisão, confesso que não tive metade do ânimo que dispensei ao “Demência”. Não porque ame menos este meu fruto – e quem os tem sabe que, por mais orgulho que se tenha neste ou naquele, um rebento é um rebento e é sempre amado por isso. Talvez eu até ame este livro mais do que o anterior, porque é todo um processo de aperfeiçoamento e uma segunda chance de me superar que o primeiro proporcionou. Mas eu já sabia no que me estava a meter. São horas e horas a tentar focar a vista em letrinhas pequeninas que escrevemos há meses e que, de tão bem as conhecermos, se misturam e soam todas à nossa mesma voz. Se forem como eu, isto é, loucamente embevecidos pelo que de nós sai em parto natural, perdemo-nos até no prazer que a escrita nos proporciona, e que se danem as gralhas, gafes e erros de gramática, que eu de gramática também nada sei.
Falaram-me em estruturas de romance; lamento, não sei o que isso é. Não estudei jamais Literatura, não tenciono faze-lo. Quero que, o que quer que desta ideia saia, pertença primeiro a mim e, só depois, ao mundo. E não ao mundo – às ciências humanísticas e literárias – antes de a mim. Espero que, com isto que crio, consiga tocar as profundezas da compreensão e da comoção (quem sabe) de quem me lê. Tal como o “Demência”, este livro é uma reflexão sobre culpas e consequências. Não sei fazer livros muito felizes – mas não nego algum humor, alguma ironia, a quem se atrever a ler-me.
Poderá até vir a encontrar neste livro amores maiores; daqueles que murcham quem deles padece, e amores menores – aqueles que vivem do benefício do momento, da circunstância. Sim, neste Funeral há mais amor do que no “Demência” e há mais reflexões em torno desse amor do que no “Demência”.

Também hoje sucedeu outra situação curiosa. Descobri que uma opinião que dei a respeito de uma crítica – na minha opinião despropositadamente maldosa – é ainda recordada meses depois. E só nós, escritores, sabemos o peso que as palavras têm quando repercutidas no tempo. Não sei se me envaideça por ter causado tal eco, não sei se estremeça de decepção pela pobreza de espírito das pessoas. As pessoas que, dando saltos como os de Descartes, esquecem que há vida para além de tudo isto e dedicam tempo ao que as aborrece. A mim nada me aborrece, pelo que qualquer reflexão é, infrutuosamente, uma tentativa de trazer paz também aos outros. É a minha veia budista que fala a respeito das coisas de importância maior. E assim me explico, numa tentativa vã de fazer-me compreender; não em meu benefício, que da fadiga de me tentar fazer compreender não o obtenho, mas em benefício de quem se sente lesado, ofendido, conspurcado pela minha vilania.
Pus-me a reflectir se não teria sido exagerada a minha defesa da obra em questão - não tanto da obra, sobre a qual apenas posso expressar a minha opinião, e essa vale o mesmo que a de todos numa democracia -, mas do trabalho da autora, e desta feita concluo que fui até suave demais. Isto porque há escritores de grande nome, grande fama, e pouco talento. Sim, há-os aos pontapés, há-os cada vez mais, a receberem honras e a poderem passar aquilo que quiserem – mensagens de paz ou de ódio, lições de amor ou de guerra – (que é o que de facto lhes invejo) aos seus leitores, e a optarem por criar algo que renda, sem puxar muito pela cabeça. O desperdício de ser ouvido sem que de algo importante se queira falar! A deitarem para fora alimento de fogueira atrás de alimento de fogueira. E aí andam, louvados pelo leitor fácil, pelo leitor de ouvido e de cara, que ouviu falar dele aqui, o viu ali. Alimentados ainda pelas editoras, que da literatura não exigem mais do que o lucro garantido. E isto entristece-me. Entristece-me sempre que os pódios sejam roubados a quem, talvez, os merecesse, em prol de quem fez mais vista. Isto porque – e possivelmente excluindo-me disso, que a qualidade dum escritor é o leitor que avalia e não o próprio criador – certamente que os há (escritores) melhores do que estes que nos atiram para os tops de vendas. Certamente que os tem de haver – se não, invista-se na educação, pois que não haverá ninguém com nada pertinente a dizer? Não haverá ninguém a saber dizê-lo?
E depois havemos nós. E por nós entendamos eu, Andreia, outros tantos. Nós que lutamos afincadamente por trazer a nossa obra aos leitores e, enquanto houver um leitor que retire prazer do nosso trabalho, continuaremos a escrever. Eu sim, pelo menos - e com isto saliento que não falo em meu nome e da Andreia ( que dela, a esta hora, nada sei. Jantará, talvez?). Nós que mergulhámos nisto de cabeça com a força de quem dá os primeiros passos numa indústria destas, que investimos tanto – de  nós, do que é nosso – não para termos a cara nas revistas de Sábado, nas crónicas dos magazines lidos pelos portugueses, mas para nos termos na vossa mão, mão de quem nos lê…
E então há pessoas que, estando estiraçadas confortavelmente a ler, acham por bem usar de deboche para nos esmiuçar. Chico Buarque diz "devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira". Eu digo, com o mesmo tom corriqueiro: devia ser proibido debochar de quem trabalha e se empenha, e "deboche" é, aqui, a palavra de ordem. Não se critica o criticar, não se opina sobre o opinar, critica-se e opina-se sobre o "debochar". E eu aceito – ninguém respeita liberdades de expressão como eu, visto que rasgaria a pele a quem tentasse roubar-me a minha, e se me mandassem fechar a boca, estando eu em silêncio, o certo seria morrer pelo grito – que não se aprecie uma obra. Ah pois, eu não aprecio muitas obras. Posso até ser menos diplomática com autores que, da minha opinião, fazem papel higiénico, continuando a receber os respectivos cheques chorudos (se é que alguém recebe bem por escrever neste país) e continuando a parir obras que um terço do país – do país que  -, certamente, sorverá. Mas seria incapaz de, tendo experimentado o alívio que é terminar um trabalho tão moroso, deitar abaixo um autor que tenha subido, a pezinhos e lã e a sua conta e risco, até ao pequeno patamar que agora ocupamos. Dar-lhe-ia água fresca e um pano para secar a testa. "Não gostei do teu livro, mas não consigo debochar de quem subiu até aqui para mo passar". Falo de nós, mal conhecidos, primeiros passos na indústria e sema cara no jornal e o livro na homepage da Fnac Online.
E é a esses, que se divertem a destruir com os pés os castelos de areia dos sonhadores, dos lutadores, dos corajosos… - requer coragem expormo-nos a este nível, sendo o livro um espelho fiel do autor; da sua inteligência ou falta dela, da sua perspicácia, da sua concepção do mundo e dos outros, do seu nível de observação ou de distracção para com tudo o resto, da sua vaidade até, por vezes - que me dirijo. Não é preciso alguém, nos bastidores, a esfregar as mãos e a citar partes íntimas da nossa história e a compará-la a jogos de Lego. Não é preciso alguém que se gabe e se orgulhe de ser “honesto”, porque a honestidade é um estado absoluto de opinião, diverge de pessoa para pessoa, mas poderia ao menos ter em conta estas considerações que lhe faço? Aliás, que lhe fiz e que pareceram tão desaforadas?
Tenho sido frequentemente abordada por muito boa gente – muito inteligente e capaz, que inclusive me apresentam textos com evidentes rasgos de brilhantismo – e que me dizem que não conseguem dar continuidade a uma ideia. Que não têm imaginação. Ou que não sabem sobre o que escrever. E com isto entendi, finalmente, que escrever não é natural. Que ter-se ideias – ser-se, até, perseguido por ideias – não é natural, que ser-se capaz de terminar um livro não é natural, embora seja cada vez mais banal, mas não é natural. Ser-se arquitecto no espaço e jogar-se apenas com a assimetria e a dissonância das palavras não é natural. Erguer castelos de letras de alicerces sólidos não é natural... Concluir uma obra de 300 ou 400 páginas com pés e cabeça ainda é algo digno de congratulações. Ainda é algo que nem toda a gente consegue.
E é por isso que não me arrependo de ter defendido uma pessoa que vi investir tanto de si numa obra que custou a nascer e que, em geral, foi bastante apreciada. A arte tem esse efeito – afastar-nos da vida, geralmente tão dura, tão impiedosa, tão pouco importada com o fazer sentido. A arte eleva-nos; perdoem-me, fãs do Fifty Shades of Grey, se continuar a disparatar a seu respeito. Pensem “a Célia acha um disparate e uma perda de tempo, mas a Célia sabe que uma pessoa deve fazer o que for preciso para ser feliz e ela às vezes até lê a TV 7 Dias”. Seja ler o Fifty Shades, seja gastar o ordenado de meio mês em livros. E a liberdade é uma coisa doce. Por isso, digam o que quiserem. Eu digo o que quero e calo o que, por respeito, considero melhor ficar silenciado. E que o entendimento de cada um sobre respeito, esforço e dedicação seja só do seu foro, e assim permaneça.

Quanto a mim, estou em júbilo.
O Funeral da Nossa Mãe tem 430 páginas, começa com um poema a respeito do indigno que é desejar-se algo pelo qual não se luta, e termina com um gosto a vida. Um travo de possibilidades.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

#51 VIDAL, Alexandra - No Coração do Império

Sinopse: O Terramoto de Lisboa de 1531 foi um duro golpe no coração do Império português. E decidiu a história de Maria da Esperança e Rodrigo Montalvão, um amor intenso que desafiou as regras da corte de D. João III. Numa manhã fria no início do século XVI, chega a Portugal um carregamento de escravos vindos do Congo. Os melhores negros são encaminhados para a corte de D. João III, para servir a rainha D. Catarina de Áustria. Entre eles segue Imani, baptizada como Maria da Esperança pelos frades portugueses. Pela sua inteligência e natural elegância, destaca-se entre os escravos – é ensinada a ler e a aprender a religião católica. O seu mestre é o gramático Rodrigo Montalvão, um nobre de alta condição, que por ela se apaixona. Nasce, entre ambos, um amor intenso e proibido, que é posto à prova no dia 26 de Janeiro, quando se dá o grande terramoto de 1531 que causou a morte de mais de 30 mil pessoas e a fuga de milhares de lisboetas, tornando irreconhecível aquela que era a grande capital do Império, no auge dos Descobrimentos.

É a história de uma paixão controversa, vivida numa corte de riqueza e intriga, em que uma mulher e um homem testam o valor do amor e da liberdade.


Opinião: Não sei bem o que diga a respeito desta primeira obra da Alexandra Vidal. Aliás, tenho até demais a dizer. Por uma vez decidi ignorar os meus instintos a respeito das obras portuguesas que retratam eventos históricos e lê-lo sem ideias pré-concebidas. Começou bem, até, lá nas paisagens do Congo. Mas isso durou três ou quatro páginas.
O livro prometia um amor daqueles entre uma escrava e um nobre da corte, e ainda uma catástrofe natural a interpor-se entre eles. Quem for lê-lo pelo terramoto – como esta tonta, desengane-se. Se procurarem um documentário com alguns pós de ficção – ao nível de uma novela da TVI em que a má desaparece da acção convenientemente no final por ter enlouquecido depois de muito atentar contra a felicidade os principais, e em que estes dois principais nunca têm uma conversa de jeito nem nunca chegam a explicar coisa alguma ao outro – então este é o livro indicado para vocês.
O livro também prometia uma grande história de amor. Não sei a que se referia, já que não é apresentado motivo algum para o amor entre a escrava e o gramático excepto, talvez, que ele gosta delas morenas (embora não o saiba de início – e por início entenda-se a discussão épica em que ele se recusa a ensiná-la, para daí a três páginas já estar orgulhoso dos progressos dela) e que ela se embeiça por ele porque é o único branco próximo e livre a dedicar-lhe duas palavras. Algo como “podes pousar ali o livro e sai”.
O livro prometia ainda o inédito de uma escrava a aprender a ler – mas tal não sucede devido à inteligência dela. Aliás, esta personagem principal funde-se nas pedras das paredes, de tão insípida. Nem isso é apresentado com paixão alguma…
O terramoto apresenta-se assim:
«- Não quero esta coifa de pano de linho, quero a outra de seda (…) De repente, as portadas de madeira que protegiam as enormes janelas do aposento da guarda-roupa começaram a bater, quebrando os ferrolhos e partindo os vidros das janelas»
E então segue-se uma listagem bem tirada de um livro de História sobre o que caiu e o que ficou de pé na cidade. Não há um diálogo com naturalidade: ou estão a passar “sabedoria” e “filosofias” ou estão a debitar factos históricos. De repente o tempo voa. Os filhos de D. Catarina (rainha) são crianças acabadas de nascer e, meia dúzia de páginas depois (quando começa tudo a voar para o fim) já têm filhos – já o D. Sebastião está apostado em ir para África guerrear com os infiéis. A ideia que me deu é que a escritora quis fazer tudo em grande e pensou: que se lixe, já agora faço disto um romance épico. Em dez páginas pulo trinta anos e faço disto aqueles amores que nunca chegam bem a concretizar-se. Já agora meto cá o D. Sebastião, que até foi importante. Espanta-me que não tenha falado do D. João IV, afinal o homem recupera o país… era só pular mais oitenta ou noventa aninhos. E da Catarina casada com o Carlos II, sempre foi rainha de Inglaterra, não? Calma, daqui a nada estamos no Sócrates a mudar-se para Paris. A mal ou a bem também teve a sua importância na História. Bom, estou a exagerar, como é evidente.
O terramoto ocupa, no máximo, vinte páginas do romance em que a informação é toda debitada. De repente temos mil olhos – já somos o guarda dos escravos, o nobre a quem os escravos fogem, somos os escravos, somos as vozes da corte e o não sei quantos que toma conta dos gatos da rainha. Somos tudo e, no instante a seguir ao terramoto já temos o relato completo dos danos e do número de mortos. A propósito… a sério que foram 30 000 pessoas enterradas com orações?! Não admira que, em 1755, o Marquês de Pombal tenha apressado os enterros!
Em termos históricos não encontrei grande coisa a apontar – excepto, talvez, a utilização do termo “gótico” relativamente à escrita por parte do gramático. A minha ideia é que o termo “gótico” só tem realmente adesão no século XIX, com os revivalismos, e que antes disso surgiu no século XVI mas como algo pejorativo. Isto é, à luz do renascimento qualquer arte anterior seria vista como arcaica - excepto a clássica em que se inspirou - não? A minha questão é: falava-se em caracteres góticos tal como agora se fala associados sobretudo à Idade Média?
O rei nem chega a ser apresentado ao leitor, parece-me que só surge uma vez a dar as mãos à rainha numa sucessão de situações sem grande importância aparente. Sucedem-se listas intermináveis de tipos de tecidos e diálogos meio afectados, muito pouco naturais.
As personagens são unidimensionais, até a escrava principal lamenta duas vezes “nunca ter explicado os seus motivos” para uma dada fuga que enceta. Mas que motivos? Na altura ela simplesmente se junta a quem foge, sabemos lá nós ao certo o que vai na cabeça dela! E que motivo maior precisa um escravo para fugir? Parece que um longo diálogo sobre o valor da liberdade tinha de ser ali pespegado para que o idiota do seu grande amado – que conhece-a tão bem como o leitor, ou seja: nada – a compreendesse.
Não percebi nada do que a autora quis passar com o romance, excepto que a escravatura é feia – asserção defendida sem grandes acrescentos àquilo que é do saber comum- , e que o terramoto – que se perde ali no meio – foi uma desgraça. Ah, e que o amor vence (?) preconceitos. Bom este não venceu coisa alguma.
Para mim valeu pena lição de História. Como romance...
Classificação: 2,5**/*

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

História e romancistas de Portugal


A História de Portugal tem acontecimentos tão ricos e tão interessantes que não é preciso inventar cenários épicos nem apocalípticos para contar um romance a respeito do país. No entanto, os escritores portugueses não chegam lá. Agora risquem-me do panorama de escritora, por favor. Ainda não me aventurei assim tanto... 

Faço parte do Clube de Leitura do Segredo dos Livros e, este mês, inscrevi-me neste "No Coração do Império". Nunca tinha ouvido falar da escritora e a sinopse prometia!

Ao final das primeiras 70 páginas já tenho uma boa contagem de coisas que me desagradam e que lamento em relação ao livro. Mas não o porei de lado por um motivo muito simples: é História. Ainda que não esteja a ler um romance, está-me a ser desfiada a História do país em 1520 e tais/30s. Para mim valerá a pena. E, não há dúvida, a Alexandra Vidal fá-lo bem - é Licenciada em História. Também tem algo evidentemente ligado a Documentação/Arquivo. Quanto a ser escritora já não sei, ainda não apanhei nenhuma deixa bem inspirada.

Ainda não terminei o livro mas já sinto urgência de falar dele...
Reparem no conteúdo de uma página comum desta obra:

"A pedraria pouco valor tinha sem a perícia das suas mãos para a envolver no mais fino ouro. Umas peças eram esmaltadas, com diversas cores, repletas de pérolas e aljôfar para coifas celestiais. Rubis e turquesas para pingentes, jóias de prata esmaltada, muitas esmeraldas e muita prata dourada, que a rainha ostentava (...) Tinha clara preferência por gibões de brocado de prata, corpetes de veludo escuro com mangas tufadas e estreitas nos pulsos, deixando sobressair colares cravejados de esmeraldas que lhe conferiam um ar divino".

Algumas páginas adiante:

"Começou por apontar todas as coisas dispersas pelo chão (...) Vinte e um milheiros de alfinetes para o guarda-roupa, duas ceiras, um castiçal de alabastro, dois côvados de veludo verde, mais dois de tafetá branco, seis tinteiros e duas tesouras, duas terças de cetim para bolsinhas, duas alcatifas e uma gaiola lavrada, toda de prata dourada."

Notam alguma coisa de especial? Ora eu noto: sim, ela pesquisou. Sim, ela tem algo que ver com documentação. Despejou nestas páginas tudo o que leu sobre jóias/vestuário feminino/ registos de mercadoria adquirida pelo palácio.

Se o livro tivesse 500 páginas, talvez se justificasse. Como só tem 240 e à 70 ainda não se conhece nada do que vai na cabeça dos protagonistas... bom, tenho um pressentimento de que a autora quer que nós, leitores, assumamos que a protagonista dela, a escrava letrada, é boa pessoa. Vai ser uma heroína, pronto. Vai salvar crianças dos escombros e vai lutar afincadamente pelo seu amor. Mas eu poderia ter-lhe dado algum crédito e esperar algum traço de personalidade incomum na rapariga, não? Perdoai-me Alexandra, se vos tive em melhor conta. Já rectifiquei a minha ideia.

Quanto a este amor assolapado, deixem-me resumir os três primeiros encontros (cada um narrado em meia página e sem uma troca de palavras memorável (algo mais que conversa de circunstância) entre os dois):

1 - Ele não quer ensiná-la, é uma preta e ele é superior a isso.
2 - Ela é esperta, ele esconde o orgulho que tem dela.
3 - Ela está a dormir e ele acorda-a e, 11 linhas depois, segue-se isto:

«- Tendes mesmo de ir embora?
- Sim... quando estivermos a sós passarei a tratar-te como uma donzela, pois assim o mereces. Maria, vós sois até mais do que uma donzela para mim. Deixemos as formas obrigatórias de tratamento para o mundo ver. Quando nos virmos a sós as regras serão outras.
Rodrigo não resistiu, esgotado pelas saudades. Há mais de uma semana que não via Maria. Abraçou-se a ela com ardor, tirou-lhe o toucado e percorreu docemente o seu longo cabelo [com a boca? mãos? nariz?]. Maria envolveu-o com os braços, sentiu o seu pescoço e o calor suave da sua pele apaixonada. Em segundos, Rodrigo saiu...»

E pronto, é este o amor assolapado. Não há indicação alguma do que eles pensam - e havia tanto pano para mangas, não? Este Rodrigo podia estar atormentado pelos seus sentimentos para com uma escrava, e esta igualmente. Os preconceitos dele poderiam ser mais difíceis de ultrapassar - seria interessante compreender que o racismo ainda hoje existe e ver um homem vencê-lo, há 500 anos atrás, por amor. Mas não, vamos pelo atalho. Gostam um do outro. Ela dele... porque...? Ele dela... porque...?

E assim ficamos. No vazio oco que são os romances portugueses.
Desculpem, pode ser de mim... mas eu preciso de explicações! Deixem lá as descrições intermináveis da pedraria e das noites que a escrava passa em redor dela e falem-me do que interessa! Este romance é só vazios... só insatisfações. Não está a suprimir a fome que tive inicialmente dele.

sábado, 11 de agosto de 2012

#51 BALOGH, Mary - Um Verão Inesquecível


Sinopse: Kit Butler é um dos mais afamados solteirões de Londres, casar é a última coisa que lhe passa pela cabeça. Mas a sua família tem outros planos. Para contrariar o casamento que o pai lhe arranjou, Kit precisa de encontrar uma noiva... e depressa. Entra em cena Miss Lauren Edgeworth. Lauren foi abandonada em pleno altar pelo seu noivo, Neville Wyatt. Destroçada, decide que não voltará a passar pelo mesmo: nunca casará. O encontro entre estas duas forças da natureza é tão intenso como uma tempestade de verão... e ambos engendram um plano secreto. Lauren concorda alinhar na farsa em troca de um verão recheado de paixão e aventura. No final, ela romperá o noivado - o que afastará possíveis pretendentes - deixando-os a ambos livres. Tudo corre na perfeição, até que Kit faz o impensável: apaixona-se por Lauren. E um verão já não é suficiente para ele. Mas o tempo não para e Kit sabe que terá de apelar a mais do que as suas vulgares armas de sedução para conseguir convencer Lauren a entregar-lhe o seu coração... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, para o resto das suas vidas.

Opinião: É o segundo livro que leio da Mary Balogh e, apesar de ter gostado bastante de ambos, sobretudo do facto de ambos os protagonistas do Uma Noite de Amor e o protagonista masculino deste último terem lutado na Guerra Peninsular, aqui no nosso Portugal. Por um lado fiquei deleitada com essa menção, por outro tive pena de não haver qualquer referência a uma batalha histórica, a um General, a um local em específico. A autora não aprofundou muito isso, nem sequer para introduzir um bocadinho que fosse da história do meu país ao mundo, já que o escolheu por duas vezes como cenário de eventos importantes. Por outro gosto do cuidado com o enredo que a autora demonstra, assim como a profundidade tridimensional das suas personagens. Também não recai em cliclés e estrutura muito bem os acontecimentos. Só lamentei o facto de a linha condutora do Um Verão Inesquecível ser tão semelhante ao do primeiro livro editado cá, que pertence à mesma série. Isto é, uma mulher é deixada por outra. Uma amizade de infância é ultrapassada por alguém que surge agora, e essa outra é uma desgraçada infeliz. No final do primeiro livro, a desgraçada é a Lauren. Neste a Lauren é a sortuda e a Freyja a infeliz – sim, haverá no futuro um livro sobre a Freyja. Também o Kit, à semelhança do Neville, combateu os franceses em Portugal. Os cenários são, por vezes, os mesmos, com os dois casais tendo vivido situações semelhantes na mesma cabana no rio de Newsburry Abbey (será assim que se escreve?) a propriedade do Neville Killbourne, o protagonista do primeiro livro.

No geral é romântico, bem estruturado, as personagens são inteligentes e voláteis – humanas – sólidas, bem-dispostas. As personagens secundárias são deliciosas! Vale a pena dedicar-lhe umas horinhas.
Classificação: 4****

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

#50 ENRIGHT, Anne - A Valsa Esquecida


Sinopse: Gina recorda a senda de desejo e de acaso que a levou a apaixonar-se por Seán, «o amor da sua vida». Enquanto a cidade lá fora fica paralisada pela neve, Gina recorda os tempos que passaram em diversos quartos de hotel: longas tardes que a felicidade e a negação tornaram indistintas. Agora, enquanto as ruas silenciosas e a quietude e a vertigem da neve que cai tornam o dia luminoso e pleno de possibilidades, Gina enfrenta a intempérie para se ir encontrar com uma rapariga a quem chama o «belo erro» de Seán: Evie, a sua frágil filha de doze anos. Neste romance extraordinário, uma espécie de caixa de segredos, deparamo-nos com o relato de acontecimentos súbitos e decisivos da vida quotidiana, com as relações voláteis entre as pessoas, com a frescura do olhar para cada estremecimento e gesto, com a captação irónica e exata das famílias, do casamento e da fragilidade da meia idade. São evidentes toda a verve, o humor e o extraordinário controlo característicos da autora, bem como a capacidade de fundir o banal e o miraculoso. Em Valsa Esquecida, toda a atenção é voltada para o amor e acompanhamos a viagem sentimental de uma heroína prevaricadora e inesquecível. Uma obra-prima de inteligência, paixão e originalidade.

Opinião: Sou um bocadinho snobe no que diz respeito a literatura. Bom, é verdade, admito. Eu própria me envergonho disso por dois motivos que considero válidos; primeiro porque a leitura é extraída da escrita, e a escrita, como arte que é, é subjectiva. Toca uns e passa ao lado de outros. Que direito tenho de torcer o nariz a quem lê livros que considero de qualidade inferior? Depende do quanto descermos... humpf. Depois, porque nem eu li jamais Tolstoi, ou Dostoievsky, ou mesmo Shakespeare, e isso é que seria a boa literatura, não?

Mas este "A Valsa Esquecida" intrigou-me. Ganhou um Orange Prize, tem uma capa que apela à melancolia, à reflexão e aos valores morais e enraizados... não? A mim foi essa ideia que passou. Agora adivinhem? Eu não entendo porque é que o livro tem este título - nem valsas, nem convenções, nem um passado para esquecer, nada que se lhe associe. E a capa? Bom a ideia que tenho da protagonista é uma trintona de ganga e cabedal, cabelos curtos, álcool e maquilhagem a mais. Onde é que isto combina com a saia plissada e os sapatinhos clássicos da senhora na capa?

Ponto positivo: a escritora e o cenário são irlandeses e vou à Irlanda em Setembro, teve, para mim, um interesse particular
Ponto negativo: fiquei na mesma quanto à Irlanda, a escritora não aproveitou a visibilidade para falar de nada que não da crise e do sector imobiliário

Personagens: mas que azar é este que tenho com as personagens? Perguntei-me, ao terminar o livro, se sou eu que embirro. Senti-me ligeiramente decepcionada por ter a certeza de que ia gostar do 2º livro da Balogh publicado em Portugal. Perguntei-me se seria o género: será por amar tanto os romances históricos que me aborreci de morte com este da Enright? Mas tive a minha resposta: na segunda página do "Um Verão Inesquecível", já eu estava a rir. Já o personagem masculino foi apresentado, com toda a margem que há-de haver para as suas inconstâncias e imprevisibilidades. Já os homens na multidão tinham mais alma, mais profundidade, mais dimensões, do que a cabecinha oca da Gina e o canalha do Seán d"A Valsa Esquecida".

A dado momento o romance resvalou do foco do romance extraconjugal para a filha do adúltero, que tem epilepsia. Ora bem... quando o casal morreu - alguma vez houve chama? Aí pela página 160 de 225 (aprox.) a autora lembrou-se de remexer na filha. De "inventar" uma relação entre a adúltera e a filha do adúltero. Relação cliché, mal explorada, vazia, até porque a Gina não tem nada de terno, vulnerável ou maternal. A cabeça do Seán? Nunca entendemos. O porquê daquela atracção mútua? Idem.

O que salva [escapa n]o romance - muito repetitivo em cenários, muitos quartos de hotel, muitas festas com os mesmos convidados, álcool, pseudo-dramas e rotina doméstica aborrecida - são os trechos, as associações espirituosas ocasionais que sugerem que a Anne, de facto, tem talento. Este só não é um livro que eleve o seu potencial.
PS - Voei sobre as últimas cinquenta páginas. Precious time, this one of mine...
Classificação: 2**

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

#49 MAUGHAM, Somerset - O Véu Pintado


Sinopse: «Kitty sente-se prisioneira de um casamento infeliz e de um estilo de vida que está longe de ser aquele que sonhou para si. Sem que tivesse obtido a notoriedade social que desejava e afastada do seu país e da família devido à profissão do marido – bacteriologista destacado para Hong Kong –, a jovem acaba por encontrar algum consolo numa relação extra conjugal. Mas a traição acaba por ser descoberta pelo marido, que leva a cabo uma estranha e terrível vingança… Através do despertar espiritual da adorável e fútil Kitty, Somerset Maugham pinta um retrato vívido da presença britânica na China e apresenta-nos uma galeria de personagens inesquecíveis.»

Opinião: "O Véu Pintado", adaptação com Edward Norton e Naomi Watts, é dos meus filmes favoritos. A banda sonora é simplesmente sublime! Li trechos do livro a ouvi-la, amplamente comovida pela beleza e a nostalgia que transmite. Já ouvi quem dissesse que estava muito aquém do livro, mas hoje, e terminada a leitura, considero até que o filme - tendo em conta a altura a que um filme se pode erguer perante um livro, é tão bom quanto o dito cujo, neste caso. Vou explicar que matemáticas básicas me levam a este resultado: o filme romanceou um pouco a história, fazendo com que a Kitty se redimisse devido ao amor e à admiração que acaba por nutrir pelo marido. Julguei que fosse um romance assim, sobre redenção. Sobre o facto de ela ser jovem e viver de centelhas de brilho para, em seguida, se dar conta do verdadeiro valor intrínseco à natureza humana. Em contrapartida o livro exibe o talento nato do autor para explorar o funcionamento da mente e das emoções humanas.
O livro é sobre erros. Sobre arrependimento e sobre recaídas, sobre desprezo, compreensão e incompreensão, e sobre o quão inalcançáveis algumas pessoas nos parecem, tal fechado é o seu modo de ser. Houve uma parte em que a Kitty teve um relance da complexidade do marido e descreve esse momento como olhar para uma floresta frondosa e escura à noite, vê-la alumiada momentaneamente por um relâmpago, julgar ter lá visto algo e, então, regressar às trevas. O Walter Fane é um puzzle fascinante e comovente. É ternamente apaixonado pela Kitty (não digo loucamente porque é demasiado tímido e contido, mas a dimensão do seu afecto é obviamente desmesurada) e fica feito em cacos quando ela o trai. Provavelmente para se perdoar a si próprio - por ter amado uma criatura como ela, uma adúltera mimada e caprichosa - e para atenuar a sensação de desprezo por si mesmo (pelos mesmos motivos), obriga-se a fazer um sacrifício maior. Um sacrifício que porá em risco tanto a sua vida quanto a da sua esposa infiel: como bacteriologista, refugia-se em Mei-tan-fu, um recanto na China onde as pessoas perecem como moscas devido à Cólera.E é nesse cenário exótico e de choque de culturas que a Kitty "cresce". Nos poucos meses (dois ou três) que passa em contacto com a doença, com as freiras do orfanato, com o seu vizinho inglês que vive com uma mulher manchu, a sua mente expande-se e ela começa a reflectir sobre a vida, o amor, a felicidade, si própria, a religiosidade, e a tentar decifrar o modo como a sua traição modificou o marido - outrora tão dedicado - e a condenou à infelicidade e a caminhar lado-a-lado com a morte. As suas prioridades rearranjam-se e ela começa a vencer os próprios preconceitos e a desejar ser uma pessoa melhor.A Kitty Fane tornou-se, rapidamente, uma das minhas personagens favoritas da literatura. A Naomi Watts é bonita e tem aquele ar doce meio espevitado, mas a personagem em três dimensões do livro tem pensamentos preciosos que espelham a mesquinhez que ocupa tão frequentemente a mente dos humanos. Ela enoja-se, de início, por ter de conviver com crianças chinesas - amarelas e de nariz achatado e olhos inexpressivos, segundo ela própria. Ela sente repulsa de uma criança que tem uma doença que implica um tamanho de cabeça desproporcional em relação ao corpo e que se baba, e que para mais a segue e está obcecada por conseguir o seu afecto. Ela pensa nela própria antes de pensar nos outros - e com o seu desenvolvimento ao longo do livro começa a importar-se cada vez menos consigo e mais com o bem estar geral, de um modo sincero que acaba por espelhar um crescimento gradual e maduro. Faz amizades genuídas que a ajudam a entreabrir os véus que envolvem os grandes mistérios da personalidade e das razões humanas.O filme, tendo forjado uma reconciliação entre o Dr. Fane e ela, satisfez o meu senso romântico, porque achei que havia ali muito pano por onde debater. O orgulho ferido dele e o amor que, vencendo o primeiro, prevalece. O vencer do asco que parece ter ao marido - por ele não ser bem-parecido nem popular e por ceder com facilidade aos seus desígnios - por parte da Kitty. Mas *spoiler alert!* a Kitty do livro acaba por admirar e respeitar o marido, mas a reconciliação nunca se dá. Inclusive, ao morrer, ela implora-lhe por perdão. E ele responde: o cão foi que morreu.Adorei a viagem ao interior da Kitty e à sua percepção de quem a rodeava. Adorei as paisagens chinesas e a sua cultura (é o segundo livro, no espaço de um mês, que leio e que revolve em torno da China). Adorei as reviravoltas da mente do autor, que me pôs a reflectir seriamente e, inclusive, me comoveu uma ou outra vez. Fiquei fascinada pelo Walter, que pertence exactamente ao tipo de homem que só se ama quando se tem um elevado grau de maturidade. E sobretudo adorei o absurdo da vida: qual é o caminho a seguir? A Kitty não sabe. Algum dia virá a perdoar-se a si própria? A Kitty não sabe. O marido chegou a perdoá-la? A Kitty também não sabe. É um romance desconcertante, lido num sopro que durou dois dias, que me comoveu e me encheu de melancolia e de pequenas tristezas. As das despedidas para sempre. As das grandes viagens para não mais regressar. As da tragédia humana e social. Apesar de magistralmente bem escrito, arquitectado e conduzido, não consigo dar-lhe cinco. Atribuo-lhe um quatro e setenta e cinco sólido. Apenas não posso dar cinco porque o li à procura desse descer à terra da Kitty, mas os seus erros, de tão térreos, acabam por ser exasperantes. O autor foi tão realista que não sobrou umas lascazinhas de romance para esta romântica se agarrar. A relação da Kitty e do Walter tem tantas potencialidades a partir do momento em que ela se apercebe do valor dele! Como é que o autor não a desenvolveu? Oh Somerset, eu sei que na vida real as pessoas têm tendência a prosseguir pela estrada mais fácil, pelo caminho dos erros aonde se insinua, lá ao fundo, a pirite, qual ouro dos tolos... mas não poderias ter levado a Kitty a um porto seguro? Não podias tê-la conduzido até ao ouro genuíno? Não poderia ela ser daquelas raras pessoas que a literatura descreve como tendo-o achado, enquanto a pirite é para os que se ficam pela vida real...? Até isso louvo na tua obra...! Que coragem para não dares aos leitores o que eles querem.Contudo, foi das leituras mais prazerosas dos últimos tempos. Certamente que um dia voltarei a lê-lo... quem saiba esteja eu própria mais consciente da falta de nexo da existência.

«But soon a wonder came to light,
That showed the rogues they lied;

The man recovered of the bite,
The dog it was that died.»




Oliver Goldwin
Classificação: 4,75****/*



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

»O Véu Pintado

«- Nunca tive ilusões a seu respeito - disse. - Sabia que era pateta, frívola, uma cabecinha oca. Mas amava-a. Sabia que os seus objectivos e ideais eram triviais, lugares comuns. Mas amava-a. Sabia que não era lá grande coisa. Mas amava-a. É engraçado quando penso no esforço que fazia para achar graça às mesmas coisas e na ansiedade com que lhe escondia que não era ignorante, banal, maledicente e estúpido. Sabia como a inteligência lhe metia medo e fazia tudo o que podia para que pensasse que eu era tão idiota como o resto dos homens que conhecia. Sabia que só tinha casado comigo por conveniência. Mas amava-a tanto que não me importava.»

Walter Fane para Kitty Fane,
O Véu Pintado