quinta-feira, 12 de julho de 2012

#44 BUARQUE, Chico - Leite Derramado


Sinopse: Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história da sua linhagem, desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até ao tetraneto, um jovem do Rio de Janeiro actual. Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e económica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.



«A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente. Lê-se e é como se cada um dos leitores pudesse ocupar um lugar na borda da cama do enfermo Assumpção e o estivesse escutando e segurando-lhe a mão, à espera do seu derradeiro suspiro.»


Jorge Marmelo, Ipsilon

Opinião: Eu tinha posto na cabeça que Chico Buarque era só um "cara sensível" da Bossa Nova e que só escrevia baseado na fama que obteve como músico. Mas outra das minhas ideias pré-concebidas foi deitada por terra (e tanto é que estou louca para ler o Budapeste, que vai directo para a wishlist). Estou até mais perto de adoptar o acordo ortográfico (brincadeirinha), só porque também se pode fazer poesia sem C em correCto. Enfim, estou até falando português do Brasil.
Leite Derramado é a história de Eulálio d'Assumpção, por amor de Deus, não se esqueçam do P em AssumPção, ele faz questão disso. É um centenário estendido numa cama de hospital a tagarelar as reviravoltas do seu século de vida com uma beleza muito particular - porque ora é sensível ora é grosso. Adorei conhecer parte da História do Brasil, e da decadência da própria sociedade globalizada e actual, ao longo do séc. XX. Fiquei também deliciada com os pontos em que a mesma se entrecruza com o meu país. Esta é a história de um quase moribundo que receia se esquecer da sua vida, que começa o romance com uma frase inesquecível «Quando eu sair daqui...». Daqui, donde? E está a minha curiosidade aguçada. E há a Matilde, que amei tanto quanto o Eulálio, e a Maria Eulália, filha do Eulálio, e uns quantos Eulalinhos, isto apenas para ressalvar que a estória se repete. Tanta atenção aos pormenores, tanta humanidade... o Eulálio centenário é-me tão familiar quanto os meus avôs, apaixonei-me pela leveza, o optimismo, os acessos de fúria e os caprichos a que cede na vida.
Hesitei entre um 4,5 e um 5, mas a minha percepção do romance ganha na atribuição deste último valor entre o 4 e o 5. O livro pode não ser genial, mas eu queria voltar para dentro dele a cada vez que o pousava. Houve umas deixas geniais e houve momentos de pura literatura, aquela que dá vontade de citar. E assim fiquei a saber que "A curva é o gesto do rio".
Classificação: 5****

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